terça-feira, 9 de junho de 2009

Tudo se cria

Hora de ponta no metro e já se sabe que tudo acontece. A unidade e a singularidade juntam-se numa harmonia que abala descontentes e desafia sorridentes. Fernando Pessoa não se lançava ao acaso quando dizia que “todos os homens são excepção a uma regra que não existe”.

De resto, a conversa era aparentemente banal e o tema repetidamente actual. Dizia a senhora dos cabelos brancos, a que se sentava à minha frente, com os joelhos a tocar nos meus e os olhos resignados de quem já viveu demais: “Oiça o que lhe digo. Já não há nada de novo. Nada de novo. Tudo o que havia para criar já se criou; a vossa geração provou que já não se vai a lado nenhum.”
Na altura fiquei confusa. De livro na mão, jornal no braço e esperança nos olhos, estaria eu a ser acusada de não levar isto a lado nenhum? Ou seria a conversa com o rapaz das calças rasgadas, das mãos soltas e dos ouvidos presos àquela música que era para todos? Ou seria com os dois…? É que a verdade é que isto está parado. Por mais livros que eu carregue, por mais vontade que me mova, não seria melhor pôr também os fones nos ouvidos e dar música à carruagem?

Outra coisa que não percebi foi o tom da voz da senhora dos cabelos brancos e dos olhos resignados. Seria saudoso, como quem chora sem lágrimas a juventude nunca recuperada? Ou seria antes desgostoso, como quem espreita o futuro e não vê nada? Ou seria afinal tudo isto…? Uma saudade entristecida numa mente quase perdida.

Certo é que as palavras me falaram, fosse o que fosse que as justificava, fosse o que fosse que as entoava. Se elas insistiam em fazer-me parar, eu insistia que havia de as contrariar. Se o máximo é isto que temos, então de que valeram os momentos que sofremos? Se nada mais há que possamos criar, de que nos vale sequer tentar?

Dizia a voz daquela senhora de cabelos brancos e olhos resignados, que é talvez a voz de todas as senhoras que partilham aquela cor e aquele olhar, que os jovens não têm nada para dar, que nada há que consigamos criar. Mas não é verdade. De que vivem os jovens, senão dessa vontade mais ou menos concretizada, mais ou menos parametrizada? Não há nada que nos agrade mais do que criar e recriar. Se há coisa que caracteriza a juventude é o gosto pelo que é novo. Cada um no seu momento, cada um com o seu talento. O importante é que tudo em nós irrompe gritos de novidade, tudo em nós são ideias ideais e tudo é originalidade. Não importa se sabem mais ou menos de política, mais ou menos de futebol, mais ou menos do mundo à volta. Alheios ou envolvidos, todos têm valor. Não há casos perdidos; isso é um conceito demasiado moderno inventado por pessoas demasiado antigas. Todos temos muito para dar.

Mas se os jovens têm tantas ideias, porque é que não transborda? Há muito que fica por sair. Há tanto que guardamos. Há tantos que não chegam sequer a descobrir os talentos que têm em si e que se afogam em pensamentos destrutivos e pouco educativos. Pouco educativa é também a educação que temos. E não exagero neste jogo dos contrários. Há uns dias, um senhor de gravata e cabelo arranjado menos abatido pela fatalidade dizia na televisão, à frente de mil câmaras e microfones que ampliam caras falsas e discursos decorados: “Os jovens são o futuro. É preciso investir na educação.” Palavras certas, mas nada mais que isso. Os mais novos, que vão criar o futuro, têm de ouvir não só as senhoras de cabelos brancos a falar do passado, na esperança de que melhor há-de vir, mas também os senhores de gravatas e cabelo penteado a falar do presente que não é fim em si mesmo, que não morre com eles, que não repete as palavras de sempre. Acima de tudo, que acredita que somos capazes. Hoje criou-se o hábito de ter pena das crianças e dos jovens. Pena do futuro, como se o passado fosse um paraíso perdido que nunca voltará. Vejo a pobreza do nosso ensino e penso - Será que alguém acredita que temos realmente algo para dar? Será que alguém vai exigir mais de nós porque sabe que conseguimos? Será que nos vão dar desafios pelos quais possamos lutar e aos quais tenhamos de corresponder?
Ao contrário do que se pensa, os jovens não se importam que lhes seja pedido muito. É só disso que estamos à espera. Acreditem que se fazemos muitas coisas más, somos capazes de fazer ainda mais coisas boas. É que entre nós tudo acontece. E não falo de transformação - é criação.

2 comentários:

  1. Também um dia seremos "casmurros" e olharemos para a juventude com um certo desdém. Apesar de achar que a nossa geração não é das melhores, aliás falhamos em certas coisas, penso que é notório que a iremos defender e pensar sempre que foi a mais correcta. Cada um tende sempre a valorizar a geração em que viveu. Por um lado, é a saudade e a inveja de já não se ser jovem que fala, por outro, é sentir que esta ou outra inovação chegaram quando já somos adultos.
    Mas, assim é que se fortalece a sociedade, com diferentes ideais e diferentes modos de encarar as inovações e o que já é velhinho.
    Aliás, só uma boa percepção do passado permite preparar um futuro melhor.
    :)

    ResponderEliminar
  2. não era aqui que se papavam bolinhos?

    ResponderEliminar